Muita vezes recebo clientes com queixa de obesidade que já passaram por diversos tipos de tratamentos ou que tentaram sozinhos sem sucesso emagrecer. Já testemunhei o sofrimento de quem investe muito tempo e energia na contação de calorias, a dor de quem como escondido para evitar o olhar de reprovação dos outros, o desgaste emocional que é a busca de comprar roupas que disfarcem as formas arredondadas, a busca desesperada de cumprir mais uma promessa que, quase sempre será quebrada. E como não falar da angústia do isolamento, da fome de amor e contato social, pois o corpo obeso gera, na nossa sociedade ocidental que valoriza tanto a aparência física, repulsão e distanciamento, principalmente afetivo.
Por certo que para se compreender a obesidade, devemos levar em consideração não apenas fatores psicológicos, mas também genéticos, padrões culturais e sociais num determinado tempo e lugar. Contudo, muito frequentemente, esse fenômeno expressa simbolicamente uma necessidade não atendida. Ou seja, aponta questões subjetivas que, muitas vezes, são o cerne do conflito. Não é à toa que muitas pessoas engordam novamente após a cirurgia bariátrica ou tentam inúmeras vezes sem sucesso dietas calóricas restritivas que geram mais frustração e desânimo. Ou apenas mudam de compulsão: da alimentar para jogos, compras, cigarro etc.
Entendo que nada muda significativamente enquanto se está focado no controle alimentar, ao estar toda a energia da pessoa direcionada para preocupações com a comida, o peso e o corpo. Enfim, com controle e rigidez, com o “eu devo emagrecer”. Assim, o foco do acompanhamento psicoterapêutico não é na obesidade ou no emagrecimento em si. Considero imprescindível entrar em contato com o que está subjacente, com o que está por trás desse sintoma.
Na clínica com pessoas que apresentam o corpo obeso é particularmente importante possibilitar uma ressignificação da relação não só com a comida (muitas vezes a comida é a melhor ou a única fonte de satisfação da vida de alguém), mas da pessoa consigo mesmo. Em muitos casos que acompanhei a atitude da pessoa para consigo era de severidade, de denegrimento, de busca de perfeição, como se para ser amada devesse ser dessa e daquela forma. Havia frequentemente uma reprodução da forma de ser tratada na infância por uma ou ambas figuras de referência. Ou, por outro lado, uma necessidade de afrontar fazendo exatamente o oposto do que era esperado. Assim, a pessoa engordava como uma maneira de se opor ao exigido pelo outro que lhe era significativo, mas de uma maneira que prejudicava a si próprio. Tudo isso num nível inconsciente.
Considero essencial perceber as angústias e ansiedades que, disfarçadamente, usam a gordura com um anteparo protetor, mas também restritivo entre a pessoa e o mundo ao seu redor. Uma parede que, ao mesmo tempo que protege e isola, gera mais ansiedade, vulnerabilidade, tristeza e sensações como desamparo e fracasso. E o ciclo se repete, perpetuando a compulsão alimentar.
Finalizando, considero que quando a relação da pessoa para consigo muda, aquilo que figurativamente alimentava a maneira de ser que favorecia o corpo obeso existir, deixa de ser importante. E a energia, antes usada para controle, fica disponível para investir numa maneira de ser que propicie a mudança em prol de seu bem-estar.
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